Madalena Freire
"o que diferencia o homem do animal é o exercício do registro da memória humana"
Vygotsky
O educador no seu ensinar, está em permanente fazer, propondo atividades, encaminhando propostas aos
seus alunos.
Por isto mesmo sua ação tem que ser pensada, refletida para que não caia no praticismo nem no
"bomberismo pedagógico".
Esta ação pensante, onde prática, teoria e consciência são gestadas é de fundamental importância em seu
processo de formação.
Contudo, não é todo educador que tem apropriado seus desejos, seu fazer, seu pensamento na construção
consciente de sua prática e teoria.
Como despertá-lo deste sonho alienado, reprodutor mecânico de modismos pedagógicos?
Como formá-los para que sejam atores e autores conscientes de seu destino pedagógico e político? Como
exigir que já estejam prontos para determinada prática pedagógica se nunca, ou muito pouco, exercitaram o
seu pensar reflexivo e a socialização de suas idéias?
O registro da reflexão sobre a prática constitui-se como instrumento indispensável à construção desse sujeito
criador, desejante e autor de seu próprio sonho. O registro permite romper a anestesia diante de um
cotidiano cego, passivo ou compulsivo, porque obriga pensar.
Permite ganhar o distanciamento necessário ao ato de refletir sobre o próprio fazer sinalizando para o estudo
e busca de fundamentação teórica.
Permite também a retomada e revisão de encaminhamentos feitos, porque possibilita a avaliação sobre a
prática, constituindo-se fonte de investigação e replanejamento para a adequação de ações futuras.
O registro permite a sistematização de um estudo feito ou de uma situação de aprendizagem vivida. O
registro é História, memória individual e coletiva eternizadas na palavra grafada. É o meio capaz de tornar o
educador consciente de sua prática de ensino, tanto quanto do compromisso político que a reveste.
Mas não é fácil escrever e refletir sobre nossa ação de ensino.
No decorrer destes anos, desde 1979, tanto no
acompanhamento da reflexão de educadores, como no meu exercício permanente de reflexão e registro
sobre a minha própria prática, tenho me certificado da importância desse exercício no processo de
apropriação do pensamento.
A seleção, por cada um, do que é relevante ser registrado se faz lenta e gradual. A princípio não há clareza
sobre as prioridades, sobre o que é importante guardar para além da lembrança, as vezes vaga, que pode ser
guardada pela memória imediata.
No processo de formação de educadores entendemos ser de extrema importância o desenvolvimento do registro enquanto ação sistemática e ritual do educador. Nesse sentido, nossa proposta no curso de formação
estrutura-se de forma a propiciar esse exercício, primeiramente, através da escrita sobre a aula, da sua
síntese, que exige o exercício do registro em dois momentos distintos: primeiro, no ato mesmo da aula e
depois, já distanciado dela.
No primeiro momento, o exercício de observação e escuta subsidiam o registro apontando para os dados
mais relevantes e significativos. Na aula, os educadores em curso observam as ações de ensino bem como a
dinâmica constituída pelo grupo e acompanham a discussão dos conteúdos tratados.
O registro posterior, longe do espaço/tempo em que ocorreu a ação, caracteriza um outro e distinto
movimento reflexivo. É nesse momento que os dados coletados podem ser interpretados lançando luzes à
novas hipóteses e encaminhamentos, tanto no que diz respeito as ações de ensino, quanto no que aponta
para as necessidades da aprendizagem. Dessa maneira, o educador, leitor e produtor de significados, cerca
com rigor o seu pensar estudioso sobre a realidade pedagógica.
Mas não basta registrar e guardar para si o que foi pensado, é fundamental socializar os conteúdos da
reflexão de cada um para todos.
É fundamental a oferta do entendimento individual para a construção do
acervo coletivo. Como bem pontuava Paulo Freire, o registro da reflexão e sua socialização num grupo são
"fundadores da consciência" e assim sendo, sem risco de nos enganarmos, são também instrumentos para a
construção de conhecimento.
Nesse aprendizado permanente de escrever e socializar nossa reflexão valendo-nos do diálogo com outros,
sedimenta-se a disciplina intelectual tão necessária a um educador pesquisador, estudioso do que faz e da
fundamentação teórica que o inspira no seu ensinar.
O registro é instrumento para a construção da competência desse profissional reflexivo, que recupera em si o
papel de intelectual que faz ciência da educação.
Fonte: Espaço Pedagógico