A VISÃO PSICOSSOCIOANTROPOLÓGICA OU SOCIOCULTURAL DA SURDEZ
Contrariamente à visão médico-patológica, a sociocultural entende que a surdez deve ser compreendida a
partir de um olhar socioantropológico, como diferença linguística. Isso porque, afirmam os defensores dessa
visão, a surdez é assumida pelo próprio surdo como uma posição política, estando tal sujeito consciente de
que tem uma diferença linguística e, portanto, ele faz parte de uma minoria linguística.
Um dos principais defensores dessa visão, Carlos Skliar define a surdez com base em quatro diferentes níveis:
como diferença política, como experiência visual, como caracterização de múltiplas identidades e como
deficiência. Assim, esse indivíduo deixa de ser visto apenas como um “surdo”. Esse é o termo preferido por
defensores dessa visão, já que tal termo deixa transparecer subjacente uma concepção sociocultural da
surdez.
As atuais investigações têm chamado a atenção para a multideterminação da surdez e para a adequação do
emprego do termo “surdo”, até porque é esta a expressão utilizada e preferida por esse indivíduo para
referir-se a si mesmo (autoidentificar-se) e aos seus iguais.
Desse modo, é fundamental considerar que o
surdo difere do ouvinte, não meramente porque não ouve, mas porque desenvolve potencialidades
psicoculturais próprias.
Ele precisa ser compreendido, portanto, na sua dimensão psicossocioantropológica, enquanto um sujeito, um
ator social, um senhor de sua história e não apenas como um portador de uma patologia, a surdez (que
precisa ser “tratada”, “curada”, “superada”).
A aceitação do termo “surto” como o mais apropriado
representaria, também, uma tentativa de minimizar o processo de estigmatização desses indivíduos pela
sociedade ouvinte. Sabemos que a falta da audição pode ser um fator que reduz o indivíduo ao atributo
gerador do descrédito social.
A expressão “surdo”, comovem sendo empregada, poderia facilitar a identificação desse indivíduo na sua
diferença.
Em defesa dessa tese, Maria Cecília Moura propõe que esse indivíduo seja conhecido não apenas
como “surdo”, mas como “Surdo” (como letra maiúscula). Segundo ela, isso favorecia a identificação dessa
pessoa como diferente, sendo essa diferença particularizada por ser decisiva para o seu desempenho.
A aceitação do termo “surdo” como o mais apropriado representaria, também, uma tentativa de minimizar o
processo de estigmatização desses indivíduos.
O uso dos termos “deficiente auditivo”, ao contrário, tem contribuído com a utilização de procedimentos que
visam ajustar os surdos aos padrões linguísticos mais aceitos e valorizados na sociedade, envolvendo
tratamentos e/ou atendimentos sistemáticos de fala oral. Em contrapartida, os estudos que usam a
referência “surdo”, têm procurado abrir um espaço social para essas pessoas, respeitando suas especificidades.
Buscam a identidade social entre o seu grupo, sua legitimação como comunidade linguística
diferenciada.
Claro que devemos admitir que a limitação auditiva é inegável como um dos fatores para a identificação das
diferenças individuais. É igualmente inegável, que a necessidade de aquisição de um sistema linguístico
próprio (gestual-visual), acarreta consequências de ordem social, emocional e psicológica que vão além da
perda auditiva. Seria um tremendo equívoco negar a condição desse indivíduo no que toca à sua limitação
física.
Contudo, os surdos são possuidores de nomes próprios que os identificam como pessoas pertencentes à
determinada classe social, gênero, religião, clube de futebol, etc. Mas, por apresentarem uma forma
particular de apreensão de mundo e de externalização, devem ser identificados e designados como grupo.
Devemos entender que a surdez deve estar no contexto de vida da pessoa surda, sem ocupar uma posição
tão significativa para o seu desenvolvimento individual e social. Isso se opõe à ideia de identificação dos
surdos simplesmente por padrões classificatórios de perda auditiva, levado a cabo, até recentemente, por
grande parte dos pesquisadores da surdez e de professores de surdos.
Desse modo, o uso dos termos surdo e deficiente auditivo por estes indivíduos não está relacionado ao grau
de perda auditiva, mas, sim à uma posição política de autoafirmação ou não de sua condição de surdo e todo
o seu significado politicossocial. Nesse sentido, é fundamental considerar que o surdo difere do ouvinte e
desenvolve potencialidades psicoculturais próprias, o que leva à necessidade de se compreendê-lo na sua
dimensão psicossocioantropológica, enquanto um sujeito político, um ator social, e não apenas como um
“portador” de uma patologia, a surdez.
No que impacta a educação de surdos, lembramos que, no Brasil, as políticas do setor devem adotar, por
força da Lei 10.436/2002, regulamentada pelo Decreto 5626/2005 (BRASIL, 2005), práticas de educação
Bilingue. Tais práticas, necessariamente, devem estar coerentes com a visão sociocultural da surdez. Isso
contempla, obrigatoriamente, a LIBRAS (Língua de Sinais Brasileira) como língua materna dos surdos (L1) e a
língua portuguesa como segunda língua (L2).
A Lei também impõe que o Poder Público (federal , estadual e
municipal) promovam ações para a difusão da Libras.
Portanto, desde abril de 2002, com a publicação dessa lei, práticas educativas que não considerem a situação
de bilinguismo dos surdos (rejeitando a Libras com L1, por exemplo) podem estar incorrendo numa flagrante
ilegalidade, sujeitando-se à ação do Ministério Público Federal. Finalmente, a visão da surdez como
deficiência pela área da educação ocorre na medida em que as estratégias pedagógicas se firmam sob a
tutela das orientações da medicina.
Para finalizar, ressalto que o uso do termo deficiente auditivo não é inadequado, quando se pretende uma
intervenção de (re)habilitação da audição do indivíduo, o que é competência dos profissionais da medicina e
da fonoaudiologia.
Entretanto, esse termo tem sido largamente utilizado por profissionais das mais diversas
áreas, sobretudo os da educação, inclusive usando apenas a expressão “D.A” (abreviatura de deficiente
auditivo). Isso é uma das evidências da forte influência que a área médica tem exercido sobre a educação de
surdos por anos, situação que, a duras penas, vem sendo vencida com a emergência da visão sociocultural,
que a ela se contrapõe